Era uma sexta-feira 13. Nunca liguei para essa superstição, apesar de ser místico, pois essa data sempre me foi de sorte porque quando eu troquei de escola para fazer a sétima e oitava séries do ensino fundamental (porque meu antigo colégio só tinha até a sexta série), soube, em uma sexta-feira 13 que minha melhor amiga da antiga escola iria parar a mesma escola que eu, porque a escola que os pais dela iam colocá-la por ser mais perto da casa deles não tinha mais vagas. Desde esse dia as sextas-feiras 13 têm conotação de dia de sorte para mim. Mal sabia eu que aquela sexta-feira 13 seria mesmo diferente.
Fui trabalhar normalmente naquela sexta, com uma camisa na minha mochila, e vestido uma calça e um tênis novo, com tudo premeditado para sair as seis e quinze da tarde e ir direto para uma formatura de uma ex-colega de trabalho e amiga, que estava se formando em Pedagogia. Sai do trabalho dois minutos mais cedo, para tentar pegar um ônibus antes, ou pelo menos garantir o que eu sempre pego até o centro. Desci no centro e procurei por outro ônibus que me levasse até o local da cerimônia, do outro lado da cidade. Informei-me com várias pessoas até que vi por mim mesmo um ônibus que ia para onde eu queria. Superlotado, como era de se esperar, afinal era horário de pico. Consegui chegar a tempo e ainda encontrei uma outra ex-colega que também tinha ido para a formatura, sentei do lado dela, afinal ela também era uma de minhas melhores amigas do meu outro trabalho.
A formatura foi um sucesso, uma bela produção, o auditório era enorme, lindo mesmo. Minha amiga entrou com uma música muito legal e estava muito bonita, apesar de eu estar no terceiro andar do auditório. Tinha dois telões, a decoração estava formidável e todo o pessoal, tanto as formandas quanto a platéia muito animados. Os parentes e amigos das formandas, quando elas entravam para receber o diploma, gritavam parabenizações seguidas do nome das mesmas, e até mesmo declarações de amor, sem contar que tocavam apitos e cornetas, usavam adornos como tiaras com antenas de borboletas, por exemplo. O juramento e o discurso dos dois oradores foram muito bonitos, seguidos dos discursos dos dois paraninfos (um paraninfo e uma paraninfa).
Antes de acabar o discurso da paraninfa, já eram dez horas, sendo que a formatura havia começado às sete e meia da noite. Mas eu estava acostumado a ir a formaturas e sabia que iria demorar, inclusive por isso que eu não confirmei presença na festa, que seria após a cerimônia, porque eu não tenho carro, e tendo que voltar de trem, não poderia voltar após as onze e vinte da noite. Sendo assim, disse a minha colega que eu teria que ir indo, pois teria que pegar um ônibus até o trem e depois o trem até minha cidade e ainda uma lotação da estação de trem até em casa, e pedi a ela que entregasse meu presente para a formanda e que desse uma abração nela falando que eu achara tudo lindo. Essa minha colega até me convidou para ficar na casa dela, alegando que tinha uma cama sobrando, mas como enquanto conversávamos durante a formatura ela me disse que iria para a praia cedo, eu preferi não incomodar, e depois, eu já estava mesmo programado para voltar para casa e dormir no sábado até que meu corpo despertasse em alguma hora da tarde. Desse modo, peguei minha mochila, dei um beijo de tchau, um aceno, e pedindo licença às pessoas do meu lado, saí. Tinha muita gente no saguão ali do meu andar, e muita gente na rua também. Entendo que estava um dia calor, que esse tipo de cerimônia seja demorada e para algumas pessoas, enfadonha. O que não entendo é porque as pessoas vão, se sabem que não vão assistir até o final, acho que se você foi convidado, não tem porque não prestigiar todo o evento. Até porque muitas vezes o formando convidou você deixando de convidar tantos outros.
Saindo pelo estacionamento, me dirigi até a parada de ônibus, isso eram dez horas e cinco minutos, e se o ônibus demorasse mesmo o triplo do tempo normal que eles demoram a passar por ali, eu ainda estaria no horário. Esse local da cerimônia é um lugar enorme, um complexo, com centro de eventos e convenções, um estacionamento gigantesco. Mas é muito longe do centro, e, embora e felizmente tenha dois postos de gasolina ali perto, um do lado e um em frente, é um bairro que eu não gostaria de andar de noite, sobretudo de mochila como eu estava, então fiquei muito satisfeito em ver que tinham pessoas na parada de ônibus, ainda mais que atrás dela tinha um terreno baldio enorme, cercado por algum pouco arame farpado. Mas meu ônibus começou a demorar, as pessoas foram saindo, pegando ônibus para as cidades vizinhas, ônibus que eu nem sabia que passavam por ali e que me deixaram cientes da proximidade das cidades vizinhas e ao mesmo tempo da distância do centro. Tinha uma mulher com sua filha, que estavam ali há algum tempo quando eu cheguei, e eu imaginei que como não tinham pegado nenhum dos muitos ônibus que tinham passado até então, que iriam para o centro como eu. Quando elas pegaram o ônibus que passou em seguida, e ficaram apenas eu e um senhor na parada, perguntei a ele se ia para o centro, e ele respondeu que não, dizendo ao mesmo tempo que achava que o ônibus que eu queria não passava mais naquele horário. Aí eu comecei a ficar nervoso. Liguei do meu celular para casa, explicando a situação e perguntando o que eu poderia fazer já que estava sem dinheiro, apenas com a passagem do ônibus de volta. Meu padrasto disse para eu tentar pegar um outro ônibus com a passagem que eu tinha, apesar de eu achar que não aceitariam aquele tipo de vale-transporte por ser de outra viação. Desliguei, e quando voltei para a parada, perguntei para o senhor que ainda estava lá à espera, qual outro ônibus daqueles poderia me deixar no centro. Ele disse que nenhum daqueles ia satisfazer minha necessidade e me apontou uma rua, do outro lado do centro de eventos, onde eu deveria pegar um ônibus ao qual me indicou o nome. Agradeci e comecei a contornar o centro de eventos, que como eu disse era muito grande, e aquele trecho estava escuro, o que significa que eu estava andando bem rápido, o que já é o meu costume. Dobrei na rua indicada e felizmente a parada de ônibus ela logo ali, e em frente a um dos outros portões de saída do centro de eventos, mas, pela placa das ruas, pude concluir que estava em um bairro muito mais longe e muito mais perigoso do que eu gostaria. Não posso reclamar, afinal a parada tinha gente e um bar iluminado e aberto atrás.
Mas o horário, dez e quarenta, estava me deixando cada vez mais aflito, e torci para que qualquer ônibus passasse rápido. Não posso dizer que ele demorou, mas para a minha pressa, certamente não veio instantaneamente como eu queria. Mas foi o primeiro ônibus que passou por ali, e era o indicado pelo senhor da outra parada. Logo entrei, perguntei ao cobrador qual a primeira estação de trem por que ele passaria, e ele não em ouvindo, repeti a pergunta, ao que ele me informou que nesse horário, só na última estação. Entrei, sentei no fundo do ônibus, e torci para que ele andasse rápido. Quanto mais o ônibus andava, mais eu ficava nervoso, pois me parecia que ele entrava cada vez mais para dentro daquele bairro perigoso e as poucas pessoas que tinham no ônibus foram saindo, o que eu achava muito estranho. Quando saiu o último passageiro, me dirigi ao cobrador, que já estava fechando as janelas e perguntei a ele se o ônibus não estava indo para o centro, ele disse que não, que eu peguei indo para o bairro, e apontou que o que ia para o centro era o que estava parado ali no final da linha agora. Mas só agora que ele me diz isso! Internamente eu estava fervendo de raiva, mas calmamente, ou talvez até expressando um pouco de nervosismo, pedi que me devolvesse o vale-transporte que eu tinha dado para entrar no ônibus quando entrei, pois não tinha mais nada, e não teria como pagar o outro ônibus. Ele gentilmente foi comigo até o outro ônibus, acordou o motorista e pediu a ele que me desse carona para o centro, pois eu tinha pegado o ônibus errado. O motorista acatou sem discussões o pedido, só pediu que eu entrasse pela porta de trás, o que eu fiz, me sentando quase no fundo do ônibus, e grato até o último fio de cabelo, pois o ônibus saiu imediatamente em direção ao centro, me tirando de um final da linha muito sombrio, numa rua tão estreita e escura como eu nunca tinha visto ser um final de linha.
Agora já faltavam apenas cinco minutos para as onze horas, mais ou menos. E nesse dia, eu conheci acho que não só uma vila, mas duas ou três, pois o ônibus rodou muito e cada vez que eu achava que chegaria a um lugar que conheço, ele continuava a desfilar por entre as ruelas de uma parte da cidade que eu preferiria nunca ter conhecido. O que me deixava um pouco melhor era que começou a entrar gente, afinal o ônibus estava indo em direção ao centro. Chegando ao centro, desci rápido e ainda consegui ver o último trem saindo da estação e o guarda lavando a entrada da estação de mangueira em punho. Por onze minutos, mais ou menos. Desespero! Tentei achar um algum vendedor de vale-transporte para vender meus vales de trem para ter dinheiro para tentar pegar um ônibus até a minha cidade, o que claro, não encontrei.
Nova ligação para minha mãe. Avisando que não tinha alternativa a não ser que meu padrasto me buscasse. Falei com ele, que me sugeriu pegar um táxi até em casa, que ele deixaria dinheiro sobre a mesa para eu pagar o taxista. Não era o que eu esperava ouvir, nem acho que qualquer pessoa que passa por uma pressão emocional desse tipo sem ter culpa esperaria. Só queria que alguém me buscasse ali. Mas, bem ou mal era um jeito de resolver o problema.
Não menos calmo, fui à procura de um táxi no centro. Era perto, só tinha que atravessar duas ruas e dobrar, e logo em seguida tinha um ponto com vários táxis. Ao atravessar a primeira rua, quase correndo, afinal as onze e meia da noite, o centro não é nada cheio, fui puxado pela mochila por alguém surgido do nada, da escuridão daquela ruela. O puxão foi tão forte que arrebentou uma alça da minha mochila e quase me derrubou. De tão apavorado, não consegui gritar, tentei me desvencilhar, mas a pessoa, provavelmente um homem pela estatura e força, mal me deu tempo, me tapou a boca e me esmurrou contra a parede, me dando dois socos, um no estômago, um no rosto e uma coronhada com o revólver, que eu não vi, só senti o cano frio na hora da paulada. Caí, sem fôlego, se forças e só não desmaiei não sei por quê. Não satisfeito em me roubar a mochila e me deixar inerte e esfolado, pela pouca visão do meu olho machucado, o vi tirando uma faca do bolso. Tentei me mexer, consegui me arrastar apenas uns sessenta centímetros até levar a primeira facada. Apenas um gemido contínuo e fraco saiu de minha boca nas 22 facadas seguintes. Ainda o vi se afastando tranquilamente com minha mochila e tudo que eu tinha nos bolsos. Senti o meu sangue gelado, escorrendo por toda a calçada ao mesmo tempo em que ia perdendo a consciência.
CURIOSIDADE SOBRE O CONTO: Se chegaram até aqui, é porque gostaram, então saibam que tudo, tudinho - exceto o último parágrafo - (na verdade peguei um táxi e voltei para casa) é verdade. E notem que o nosso calendário mudou a foto (lado superior esquerdo do blog!) Esse mês quem posa é o Alexandre com a foto em homenagem ao dia do trabalhador!
Abraços a todos!
6 comentários:
olá.
bacana mesmo.
sorte e luz.
ótimo. adorei. fiquei assustado só no último parágrafo. ainda bem que não era verdade! hehe
Já tinha lido este conto, hehehe.
Bem bom!
Baita abraço!
;)
A vida parece um romance mal feito, já diria o poeta Mario Quintana...
Eu adorei tua história real!
=)
Imaginei que vc tivesse sobrevivido e usado de licença poética, hahahaha
Senão vc seria um Brás Cubas contando sua morte, rs
Não me dá susto cara... -.-
E essas coisas acontecem msm! PQP!!! Mas não jogue a culpa na sexta-feira 13, quem dá azar é o ônibus, hehehe.
Abração!
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